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Atualizado 13/03/2015


Balaozinho Matraqueando 2015

Spoiler: este texto contém ironia.

As redes sociais criaram um personagem divertidíssimo chamado “ativista digital”. Quando ele surgiu, há alguns anos, era até interessante em sua essência e proposta: víamos pessoas insatisfeitas com a realidade e que encontravam um universo perfeito — a internet — para levantar a bandeira de sua causa.

Hoje, não importa sua carreira ou seu partido político. Todos são ativistas digitais. O importante é ser engajado e, como consequência, ganhar muitas curtidas e compartilhamentos com seus posts brilhantemente politizados e humanistas. Só que não.

Os engajados virtuais estão prontos para desconstruir o tema do dia porque tem sempre um assunto que ele considera mais importante. Existe uma necessidade incrível de inferiorizar um acontecimento em detrimento de outro.

São pessoas que quase sempre tentam constranger o seu posicionamento porque acham que o dela (ou aquele que ela leu na timeline do amigo-cabeça) é mais humano, verdadeiro ou necessário.

Há um esforço colossal em fazer os outros ficarem envergonhados com sua indignação ou opiniões, uma vez que o ativista digital tem sempre algo que ele julga mais digno de pesar ou atenção.

Parece não ser mais possível falar sobre qualquer coisa que não sejam os escândalos de corrupção no Brasil, as decapitações do Estado Islâmico ou a miséria do Sudão.

Caso alguém ouse a se distrair — ou trazer um pouco de leveza e bom humor à sua rotina tentando descobrir qual é a cor do vestido — seres iluminados ficarão horrorizados: “como alguém pode perder tempo discutindo a cor de uma roupa enquanto na África mulheres nem vestidos tem para usar?”. Observe. Se ficamos indignados com a chacina dos cartunistas do Charlie Hebdo, há quem menospreze o problema lembrando que no Brasil morrem muito mais pessoas assassinadas por dia. E aí começa a ladainha:

#JeSuisCharlie #JeNeSuisPaCharlie #JeSuisPalestine #JeSuisAfrique #JeSuisMessi #JeSuisRonaldo #JeSuisTheMinions #JeSuisMatraca #JeSuisUneMerdeIssoSim

Se ficamos indignados com o patrocínio polêmico que o governo ditador da Guiné Equatorial ofereceu à escola de samba Beija-Flor, há quem lembre que o jogo do bicho é mais escandaloso.

Se ficamos indignados com os maus tratos em animais, há quem evoque as crianças de rua abandonadas. Se você ousa solidarizar-se com a tragédia do 11 de setembro há quem diga que o genocídio de Ruanda matou muito mais e ninguém comenta.

Atenção. Isso aqui não é uma disputa de tragédias e desgraceiras. Se é para dar uma opinião, posicione-se, apenas. Levante sua bandeira. Defenda sua causa. Mas você não precisa fazer isso depreciando a comoção ou a indignação ou a curiosidade do outro. Muito menos macular a notícia do dia, mesmo que ela não seja significativa para você.

Há, ainda, quem amaldiçoe qualquer tema ameno e, digamos, mais agradável como se não existisse no seu dia a dia a deliciosa conversa fiada. Caros, a história da humanidade não é feita só de mazelas. E para os que reclamam de notícias supostamente fúteis saiba que jornalismo não é só política e economia.

Nosso cotidiano é movido por ciência, tecnologia, religião, espiritualidade, viagens, moda, beleza, saúde, curiosidades e, principalmente, comportamento.

Fico imaginando o que essa gente pensa de mim — que escrevo, falo e vivo o supérfluo universo das viagens. Supérfluo? Para mim, é indispensável.

Pior, o que essa gente pensa de mim que ganho dinheiro viajando? Muito pior: o que será que passa pela cabeça dessas pessoas quando descobrem que isso é meu trabalho: viajar e escrever? Muito, muuuito pior, quase o apocalipse: que tipo de devaneios eles têm quando percebem que não aceito convites, cortesias, não participo de viagem patrocinada, não faço post pago e, ainda assim, construí um negócio fazendo… turismo?

Por que eu não escolhi cuidar de idosos? Não recolho animais na rua? Não trabalho com refugiados? Não luto pelas causas indígenas? Não saio pelada em passeata feminista? Por que não me inscrevo no Greenpeace? Por que eu cometi o pecado de fazer jornalismo e — sacrilégio — virar blogueira de viagem?

Pois eu que pergunto a estes seres engajados e onipresentes sempre prontos a desconstruir o assunto da hora ou a tarefa do outro com suas verdades absolutas, quais são mesmo seus planos — e ações — para salvar a mundo?

E você, o que está fazendo aí fuçando neste blog frívolo, oco e distante da realidade cruel, ferina e virulenta a que somos submetidos diariamente? Tire a mão do queixo, a outra do mouse e vai arrumar uma roça para carpir, bando de alienados!

(Mas,  por favor,  antes me diga: o vestido é branco e dourado ou azul e preto?)

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