Três gerações da Família Matraca

Até eu entrar na universidade, morávamos numa casa simples de madeira, em Londrina. Apesar das restrições financeiras na minha infância e adolescência, reconheço todos os privilégios que tive.

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Não havia qualquer luxo, mas meus irmãos e eu sempre tivemos três refeições diárias, banho quente, roupa limpa e material escolar em dia.

De todas as delicadezas de Deus na minha vida, a maior delas, porém, foi nascer dentro de uma família estruturada. Se algum dia nos faltou algo, sobravam amor e criatividade.

Quando meus pais se casaram, minha mãe tinha 16 anos. Meu pai, 19. Ela não havia terminado o ginásio. Ele era técnico em contabilidade.

Meu pai, o homem que mais amei na vida, era muito divertido. Dizem que sou ele em tudo, da ranzinzice ao humor sarcástico. O dia da sua morte foi o mais triste da minha história. Faleceu de infarto em 2014. Mas não antes de dizer no meu aniversário de 40 anos (e ele aos 60) que nós dois tínhamos entrado juntos na terceira idade.
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Mas é da minha mãe, Dona Sílvia
@silvia_imaculada, de quem eu quero falar. Porque foi ela quem SEMPRE influenciou o lado “comidinhas” e festeiro do #Matraqueando, o departamento aqui da firma que mais cresce no confinamento.

Não estou falando só de cozinha, mas da capacidade e do prazer de servir e agradar o outro, mesmo — e principalmente — quando a vida te diz não.

Ao montar qualquer mesa, por mais simples que eram os nossos utensílios, ela sempre foi cuidadosa. Nunca colocou um pote de geleia ou caixa de suco na mesa. Era tudo acomodado em louças. Manteiga na mantegueira, suco em jarras.

Jamais serviu a comida nas panelas, só em travessas. Na nossa simplicidade, ela trazia um conforto afetivo e visual ao dia a dia. Um macarrão qualquer chegava ao prato enfeitado. Até brinco com meus irmãos que demoramos a perceber que éramos pobres porque a minha mãe sempre disfarçava muito bem.
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O máximo que ia à mesa na própria embalagem era a garrafa de Coca-Cola no almoço de domingo, até porque aquilo era nosso nível máster de ostentação.

Aos 25 anos, meus pais já tinham os três filhos. Eu sou a mais velha. Fizeram faculdade de Ciências Contábeis juntos. Formaram-se na UEL, uma universidade pública. Passados 20 anos do casamento precoce, já contadores reconhecidos, tornaram-se donos de um dos maiores escritórios do Paraná, que segue até hoje, agora sob o comando do meu irmão, também contador. (Com um detalhe curioso, minha mãe fez outra faculdade primeiro, Educação Artística, o que reforçou sua essência inventiva.)

Tudo para minha mãe sempre foi motivo de celebração. Caiu um dente da criança? Vamos preparar um pudim para comemorar. Conseguimos comprar o primeiro computador para o escritório? Hoje tem frango recheado para não deixar a conquista passar em branco.

Até hoje é assim. Nessa quarentena, inclusive, é ela quem organiza e convida a família para as reuniões no Zoom.

Tudo isso para dizer que estou muuuito feliz e empolgada com essa nova fase das receitas e encontrinhos intimistas do blog,
porque voltei a me sentir útil para vocês. Mesmo com as minhas limitações.

Minha cozinha é pequena, não tenho batedeira planetária, o copo do meu liquidificador é de plástico, não possuo jogo de facas ginsu, minhas panelas são as que ganhei de presente de casamento.

Não sei diferenciar o orégano da manjerona. Mas reconheço que tenho a habilidade — graças à minha mãe — de transformar qualquer bolo de fubá com café cremoso em um evento fraterno e amoroso. É o refúgio emocional que escolhi para sustentar a minha vida e o meu lar.

Essa foi a história que contei ontem para minha filha Mariana quando ela me perguntou: mas, mãe, você não se cansa de preparar qualquer coisa, desde uma sopinha até uma refeição mais elaborada, sempre tudo bonitinho, todos os dias?

Não, não me canso. Porque um dia eu também fiz essa mesmíssima pergunta para minha mãe. E ela respondeu:

“Às vezes cansa, minha filha. Mas ser feliz dá trabalho!”
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